A Instituição Santa Casa da Misericórdia de Montalvão
À semelhança de muitas outras instituições congéneres, não há notícia sobre a data de constituição da Santa Casa da Misericórdia de Montalvão (SCMM). No entanto, é possível concluir-se ser anterior à data da emissão do primeiro documento a referi-la expressamente, ou seja, a 12 de maio de 1572.
Trata-se, tal documento, do Alvará de D. Sebastião, (1) (v. Nota) outorgando à Confraria respetiva o direito de usar o compromisso mencionado pela própria Irmandade, numa petição enviada ao Rei. Ora, isto permite inferir que já antes da formalização estatutária da Misericórdia, por meio daquele Alvará, existiria alguma organização dedicada à causa assistencial, mais ou menos formalizada.
Não é de estranhar que assim fosse, pois é conhecida a existência de um albergaria em Montalvão, eventualmente transformada em hospital, segundo as orientações emanadas por D. João II e depois por D. Manuel I, processo esse consolidado após a fundação da Misericórdia de Lisboa, pela Rainha D. Leonor de Lancastre, em 1498, e que rapidamente se disseminou por todo o país. E existindo já essa estrutura assistencial, a par da existência da Confraria ou Irmandade da Misericórdia, natural seria que houvesse uma relação funcional e eventualmente hierárquica desta em relação a tal estrutura.
Todavia, ainda não foi possível estabelecer com maior rigor a data de fundação da instituição misericordiosa. (2)
Já em relação à data da criação do atual brasão da instituição (sem a moldura que o envolve, bem entendido, dado esta ter sido introduzida passados mais de quatro séculos, mais precisamente em 1997, sendo Provedor José da Graça de Matos), existe um detalhe que permite delimitar a datação da respetiva criação, nem que seja de maneira aproximada. Trata-se da coroa real que o encima. [1]
Isto porque o Rei D. Sebastião ordenou uma mudança - só aparentemente irrelevante, dado ter grande significado político -, ordenando a substituição da coroa aberta ou coroa ducal, até aí adotada, por uma coroa real fechada. Com este pormenor, pretendeu o Rei simbolizar o reforço da Autoridade Régia através da conquista de Marrocos e da obtenção de um título imperial, tornando-se ele próprio o Imperador. Fugaz aspiração, essa!
D. Sebastião iniciou a governação do reino aos quatorze anos de idade, em 1568, tendo falecido dez anos depois, na famigerada batalha de Alcácer Quibir. Por consequência, a adoção generalizada da coroa fechada só poderia ter ocorrido a partir daquela precisa data e, por associação com a petição da Irmandade da Misericórdia de Montalvão e da consequente outorga do Alvará acima referido, em 1572, pode presumir-se que o brasão atual (com a ressalva anteriormente feita) poderá ter sido criado, concomitantemente, nesta data.
Em 10 dezembro de 1627, foi emitido novo Alvará, desta vez por D. Filipe III, outorgando à Misericórdia de Montalvão os mesmos privilégios da de Abrantes, o que explica o facto de o Compromisso de Montalvão estar relacionado com o da Misericórdia daquela cidade, por sua vez fundada em 1504. (3)
Erradamente, a data deste último Alvará tem figurado em alguns documentos relativos a Montalvão como sendo a data de constituição da SCMM, o que não é exato, como se confirma.
A Santa Casa da Misericórdia de Montalvão está associada a um assinalável passado de apoio assistencial aos mais carenciados e, sobretudo, à população idosa. Nas outrora instalações do muito antigo e ainda quase desconhecido hospital, anexo à Igreja da Misericórdia, como era usual, funcionou durante vários anos (praticamente nas décadas de oitenta e noventa do século passado, na vigência dos sucessivos Provedores, Joaquim da Silva Matos; José da Graça de Matos e, ainda, de Joaquim Maria Costa, cabendo a este a inauguração do novo Lar de Idosos- v. refª abaixo) o chamado Centro de Dia, a partir do qual foram garantidas refeições à população da Freguesia - Montalvão e Salavessa -, que delas mais necessitavam.
Correspondendo a uma velha aspiração da população montalvanense e graças à conjugação de vontades, recursos financeiros e capacidade de realização de várias pessoas envolvidas, com destaque para o Provedor à época, Joaquim Maria da Costa, cujo contributo e empenhamento pessoal foram decisivos para a construção do lar para a “Terceira Idade de Montalvão”. Desde a sua criação tem sido uma unidade modelar na prestação de cuidados e assistência aos idosos da freguesia, a qual passou a designar-se por “Lar Joaquim Maria da Costa”. Desde então, numerosas pessoas de Montalvão, Salavessa e, pontualmente, provenientes de outras localidades, têm beneficiado do zelo, da dedicação e dos diversos cuidados prestados por esta instituição e, mais concretamente, pelos seus diversos colaboradores e responsáveis operacionais, que lhes asseguram uma qualidade de vida que de outra forma seria muito difícil, senão impossível, garantir a uma parte significativa de utentes.
A Santa Casa da Misericórdia de Montalvão, a par do Castelo e da Igreja Matriz de Montalvão, são as mais antigas e as mais emblemáticas referências histórico-culturais de Montalvão.
Nota: muito embora disponhamos dos facsimiles dos dois Alvarás, em cópias gravadas em CD, adquiridas na Torre do Tombo, não é, porém, permitido por esta entidade a respetiva reprodução visual, exceto a tradução que lhes corresponda, como as que se seguem:
1572, maio 12, Lisboa– Alvará de D. Sebastião concedendo à Misericórdia de Montalvão permissão para usar um compromisso a que faziam menção na petição que enviaram ao Rei.
IAN/TT – Chanc. de D. Sebastião e D. Henrique, Privilégios, liv. 9, fl. 147v” … (p. 149)
Transcrição:
[1] Eu el Rey faço saber aos que este alluara virem [que] avendo Respeito ao que na pitiçam atras escryta di[se] o prouedor e Jrmãos da confrarya da mysericordia da vil[la] de montaluão ey por bem e me praz que eles posam vsar do compromjso de que na dita pitiç[am] faz mençam por tempo de dous annos …* prymeiro teuer no despacho das conf[ir]mações E mando a todas as mynhas Jus[tiças] a que o Conhecimento desto pertencer que lhe cumpram e guardem este alluara como se nelle cont[em] o qual ey por bem que valha e tenha força e vygor posto que o efeyto delle …* mais de hum anno sem embargo da or[de]nação do 1º livro titulo lx que o contrairo diz p[ero] garcia de seyxas (?) o fez em lixboa a xij de ma[yo] de j [mil] bc lxxij
*passagem de difícil leitura
[1] À margem: «da mysericordia da villa de montalluam».
(Tradução gentilmente elaborada e concedida através do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa.)
1627, dezembro 10, Lisboa– Alvará de D. Filipe III outorgando à Misericórdia de Montalvão os mesmos privilégios da de Abrantes.
IAN/TT – Chanc. de D. Filipe III, Privilégios, liv. 1, fl. 203v.
Transcrição:
Eu el Rey faço saber aos que este alvara virem que havendo respeito ao que na petição atras escrita disem o provedor e irmãos da Casa da Mysericordia da villa de Montalvão e visto as causas que allegão e informação que se ouve pelo provedor da Comarca da cidade de Portalegre e seu parecer, ey porbem e me pras que o dito provedor e irmãos da dita Casa da Mysericordia que hora são e ao diante forem, possão usar e gosar dos previlegios concedidos a Casa da Mysericordia da villa de Abrantes, como na dita petição pedem e mando as justiças a que o conhecimento pertencer lhe cumprão e guardem este alvará como se nelle conthem e se registara no livro da Mesa da dita Casa da Mysericordia de Montalvão e valera como carta, sem embargo da Ordenação do 2.º Livro, titulo 40 em contrairo. João de Sousa o fez. Em Lixboa, a des de Dezembro de mil e seiscentos e vinte e sete. João Pereira de Castel Branco o fez escrever.
(Assinatura). Concertado. Pero da Costa Homem” … (p. 212)
Bibliografia:
(1) Torre do Tombo, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Privilégios, liv. 9, fl. 147v.
(2) (in “Portugaliae Monumenta Misericordiarum”. Lisboa : União das Misericórdias Portuguesas, 2006; vol. 4.”, pp. 306 e 307.
(3) GOODOLPHIM, Costa, “As Misericórdias”; Ed. Livros Horizonte*;1998; p.323. * edição fac-similada, respeitando rigorosamente o original editado em 1897, salvo pp. 4, 148, 272 e 370.
Luis Gonçalves Gomes, 26-03-2016
(texto revisto em 14-01-2018)
[1] V. “Heráldica” neste portal.